quarta-feira, 22 de março de 2006

AINDA AS LEIS(BICAS)...

O episódio aparentemente “normal” da tentativa de casamento das duas já célebres lésbicas entreteve, irritou ou entusiasmou a opinião pública, como aliás desde as vésperas se antevia, quando alguém fez questão de abnegadamente anunciar à comunicação social que tal encontro viria a ocorrer numa Conservatória de Lisboa.
Encontro mediático era claramente a intenção. Disso parece não restar dúvida a ninguém.
Mas o que faz entrar tamanha encenação nas auras da demagogia é a evocação da espontaneidade da iniciativa ou de que aquele singelo “casal” apenas se fazia acompanhar de um simples advogado, para além de um punhado de bons amigos. Demagogia não somente pelos presentes, envolvidos em movimentos de homossexuais e os que, qualquer que fosse a condição invocada no momento, têm ligação a forças políticas e afins. Mas porque tais comparências mais ou menos discretas não podem deixar de levar à interrogação (pode-se também ler especulação) de que influentes ausências também sejam responsáveis pela notícia.
Para além dos que genuinamente queriam ver o tema discutido, há que admitir que outros tenham contribuído para desviar o interesse da opinião pública de outras questões “quentes” que, recentemente, têm sido tão apreciadas ou apetecidas.

Mas já que muitos, nos quais me incluo, se deixaram envolver nesta “armadilha” noticiosa, e apesar de não poder haver imparcial cidadão de bom-senso que considere tal tema como de fundamental discussão para a nossa sociedade actual, comentemos também a pretensão que está na base do inusitado facto.

Respeito quem pretenda possuir os mesmos direitos e deveres inerentes a um contrato matrimonial, mesmo que o outro elemento do par seja do mesmo sexo. Assim como respeito quem entenda que a célula colectiva básica da sociedade, que designamos por família, só faça inteiro sentido se contiver auto-capacidade multiplicadora. E acho que tem muito mais substância, lógica e coerência esta última preocupação. Mas, no entanto, respeito muito mais a primeira, pelo mesmo motivo básico que considero que a liberalização do aborto será uma opção leviana se ou quando o Estado a assumir. Porque ao Estado cabe proteger a liberdade dos menos fortes e apenas nessa condição interferir com as liberdades dos demais cidadãos. E assim, da mesma forma que não concebo que se possa majorar o direito de opção de uma mulher grávida relativamente à possibilidade de um embrião seguir o seu caminho de vida, também não me parece legítimo que a tradição heterossexual se aproprie em exclusivo dos privilégios de uma união legitimada pelo Estado. Seja nos elementares aspectos jurídicos, patrimoniais, fiscais, testamentários ou na tendência para “normalizações” sociais em geral, essas mais dificilmente impostas por decreto.
Contudo, parece-me que a questão da adopção já deva ser encarada em termos relativos. É inegável que existirão “casais” de homossexuais que poderiam melhor educar e proporcionar uma qualidade de vida superior aos adoptados do que certos casais heterossexuais. Como também é indesmentível que uma criança se sentirá mais confortada socialmente em ter uma mãe e um pai adoptivos, do que dois pais ou duas mães adoptivos. Daí que pareceria razoável que a natureza da sexualidade do “casal” deva ser meramente encarada como um critério preferencial, tal como o são a estabilidade da relação, a idade dos pais adoptivos ou o seu nível económico.

Mas o facto de poder ser defensável que dois homossexuais vejam reconhecido pelo Estado um compromisso de vida conjunta, e mesmo que este lhes atribua exactamente os mesmos privilégios que a dois heterossexuais, não implica necessariamente que tal união tenha o rótulo de “casamento”. A aceitação da diferença não tem forçosamente que se estender até ao limite do uso da mesma e exacta terminologia, como aliás sucede em Inglaterra e nos vários países escandinavos. Aí, entramos já no campo do respeito pela maioria. Persistir na recusa em utilizar expressões alternativas como “emparelhamento”, “acasalamento”, “união de vida”, “união de facto” ou outra qualquer que se possa ajustar, pode até ser entendida como uma postura provocatória. Só com atitudes de respeito pelas maiorias, começando por evitar o simples dar a mão no autocarro, podem pretender as minorias ser igualmente respeitadas.

Há leis difíceis, mas o respeito ainda é mais difícil de legislar

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