O mais potente (e sério) argumento dos defensores do "Sim" consiste na lucidez de constatar que o nosso País não conseguirá controlar, a curto prazo, o número de gravidezes indesejadas potenciadoras de aborto e a dificuldade em travar as práticas clandestinas que as resolvem.
É respeitável quem tenda para votar "Sim" por se centrar essencialmente neste ponto. É muito respeitável quem leve esta conclusão à convicção por solidariedade com os que efectivamente não têm, ou muito dificilmente criarão, condições para educar uma criança com meios satisfatórios. Pensamento prático e solidário, sem dúvida, se bem que não faça sentido mudar uma lei pelo simples facto de que não se consegue fazê-la cumprir.
Todos os demais argumentos invocados pelo "Sim" são facilmente desmancháveis.
Mas será que o País que queremos é a vivência dos males menores? Será que a resolução pelo caixote do lixo dos dramáticos casos de aborto, que também levam à boleia todos os outros casos de simples inconveniências, nos levam a criar um espírito de exigência para com os nossos governantes e os nossos concidadãos? Será que é verdadeira utopia obrigar o Estado a encontrar melhores soluções para questões tão importantes como esta?
Que não restem ilusões, quem vota "Sim", vota pelo conformismo, pelo mal menor e pela responsabilização da própria sociedade perante situações sociais que caberiam ao Estado.
Mas, no cenário actual, o voto de protesto, de inconformismo e de exigência é o do "Não"
Votar "Não" significa obrigar os decisores a despenalizar as mulheres que abortam, separando questões que nunca deveriam ser misturadas no referendo. E não tenhamos dúvidas que a actual maioria de esquerda levaria, de imediato, a que um projecto-lei desta natureza fosse votado, e aprovado quase unaninemente.
Votar "Não" significa forçar o actual governo, e os que se seguem, a finalmente investir, de forma conveniente e em força, em informação, em educação sexual no ensino e em planeamento familiar com resultados. Aqui, estaremos sempre todos de acordo, que o principal será sempre prevenir e portanto accionar estas políticas informativas e formativas, o que, evidentemente, com aborto livre será muito mais difícil. (Também estaremos concordantes em que já muito se devia ter feito, de há 8 anos até agora, por parte de todos quanto puderam decidir, tenham eles votado "Sim" ou "Não", mas cabe-nos a todos exigir que, tirando partido da nossa maior maturidade democrática e cívica, tais erros não se repitam.)
Votar "Não" significa ainda não fechar a porta a que o Estado repense melhores formas de resolver os dramas das gravidezes rejeitadas. Se existe via para que o Estado venha a assumir as responsabilidades sociais, que são a sua primordial razão de existência, não será votando "Sim".
Eu sonho com um País cujos governantes decidam que devem convencer as mães que não querem ter um filho e as ajudem a fazê-lo crescer. Eu desejo um Estado que, no limite, se encarregue pela educação de um bebé indesejado e o leve até à idade adulta, pela adopção ou pela inserção numa instituição social ou religiosa, como faz se o bebé for abandonado num hospital após nascer. Eu pretendo estar numa sociedade que não distinga os direitos de quem tem 9 meses de vida ou apenas 9 semanas. Eu exijo a utopia da mobilização do verdadeiro espírito humanista português, que provavelmente ainda temos, no apoio a todos quantos sejam afectados por reais dificuldades de vivência e de sobrevivência.
Eu não vejo realmente justiça senão passarmos pela solidariedade para com TODOS. Para com os que não podem MESMO e para com os que DE CERTEZA querem viver.
Prefiro um dia morrer com estas utopias do que ir vivendo sem protestar por um País que sempre alinha pelos males menores.
domingo, 14 de janeiro de 2007
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3 comentários:
Não é, aliás, utopia nenhuma DEFENDER A VIDA, a qualquer custo. E claro, quando o custo for muito, aí que entre o estado, que ele é preciso exactamente para isso, para introduzir justiça, equilíbrio, protecção e auxílio aos mais carenciados!!
é bom pensar em todas as consequências do sim e do não. qual o cenário que queremos e o que é realizável. aos que argumentam que a maioria dos paises europeus tem liberalização, não esqueçamos que o que agora se discute é se devem mudar a lei de novo, voltando a proibir o aborto. Portugal já mostrou caminhos e mundos ao mundo. um deles foi a abolição da pena de morte, pois foi o 2.o país do mundo a fazê-lo. quem sabe se não será o 1.o ou o 2.o a mostrar que é possível poupar um país a 10, 20 ou 30 anos de aborto livre
Concordo inteiramente contigo.
Faltou-te apenas desmontar o argumento do "eu confio na mulher, que não faz um aborto levianamente".
Não faz? Qual mulher? Esta? E quanto àquela? Estão dentro da cabecinha de todas as mulheres? Conhecem a realidade fora dos gabinetes e do carrinho com ar condicionado?
Dia 11 lá estaremos.
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