Devo afirmar, antes de mais, que não me considero propriamente um especialista em questões energéticas, até porque a maioria do que me tem sido dado a conhecer nestas matérias resulta essencialmente da directa experiência enquanto consumidor industrial e doméstico. Também devo esclarecer que defendo, com poucas reservas, a economia aberta, livre e transparente, apenas evitando rotular-me de fundamentalista liberal pelo facto de entender que cabe ao Estado impedir que eventuais descontrolos, sobretudo relacionados com bens de consumo tidos como básicos, acabem por afectar os mais vulneráveis a pequenas "violências" que o liberalismo absoluto possa gerar.
Nessa perspectiva, parece razoável defender que o Governo não deveria nunca entregar totalmente ao mercado a responsabilidade pela definição do preço do pão ou das condições de abastecimento de água potável. Considerando igualmente que a energia se assume, cada vez mais, como um factor básico do consumo e do desenvolvimento colectivo, será defensável esperar da parte do poder executivo uma muito particular vigilância relativamente aos redesenhos de mercado que se têm vindo a estabelecer neste domínio.
Sucede aqui, porém, que a tão propagada liberalização no mercado ibérico da electricidade, Mibel, parece estar a dar lugar a um rascunho daquela alegórica expressão "a montanha pariu um rato". Foram altas as expectativas geradas pelos acordos peninsulares, que garantiriam a livre concorrência e as consequentes melhorias das condições de fornecimento e dos preços da electricidade. Mas os factos que ocorrem, na prática, após cerca de uma década de negociações e protocolos, são algumas OPAS, contra-OPAS e trocas de capitais entre os gigantes da produção e da distribuição, sem que os clientes, singulares ou empresas, sintam poderem surgir condições mais económicas e competitivas para o consumo energético.
Num mercado há tanto tempo formalmente liberalizado, como se pode explicar que um cliente nacional com 500 KVA de potência instalada possa continuar a ser literalmente ignorado pela Endesa, Unión Fenosa ou Iberdrola, quase se tendo de ajoelhar, mesmo assim sem êxito, para tentar obter uma proposta alternativa de fornecimento, que lhe permita, no mínimo, algum poder negocial junto do grupo EDP? Como é possível que, após 3 ou 4 anos de contrato sob sistema de mercado, via EDP Corporate, o grupo EDP se sinta suficiente confortável para sugerir o regresso das empresas ao Sistema Eléctrico Público (S.E.P.) como melhor forma de se obterem tarifas menos elevadas? De que maneira se pode entender que, abrindo-se a liberalização do mercado para consumidores domésticos já no dia 4 de Setembro, não se vislumbre em Portugal o menor indício da presença de outras companhias do sector, nem tão pouco se sinta o potencial de operacionalidade da EDP em Espanha?
Este cenário não pode senão traduzir uma ausência real de concorrência, sendo que, no nosso País, o monopólio EDP se substitui por um requintado duopólio EDP, gigante de duas cabeças, que concorre consigo próprio. Mais, durante tantos anos, todos fomos impedidos de escolher o nosso fornecedor de electricidade, contribuindo para facilmente fortalecer uma companhia nacional, na gorada expectativa de que isso a levasse a conquistar quotas de mercado no exterior. Afinal, nem a EDP se internacionaliza efectivamente, nem podemos nós decidir quem acende a luz lá de casa ou abastece os equipamentos do nosso negócio.
Tudo isto só pode ser explicado, antes de tudo, por um enorme temor, provavelmente de dimensões inestimáveis, que se terá instalado no potencial oligopólio ibérico relativamente à evolução dos custos de produção. Por certo que se este mercado pudesse ser aberto a um vasto leque de produtores e distribuidores, e mesmo nas actuais circunstâncias de incerteza sobre o preço do crude, não seria possível qualquer tipo de posição concertada entre os vários agentes que operassem. Mas o facto é que o capítulo "energia" não é um produto assim tão facilmente liberalizável como qualquer outro.
Resta-nos a possibilidade de poder confiar no papel de árbitro que o poder político deve exercer. Se, por um lado, é de esperar que intervenha na prevenção de qualquer desgoverno dos preços da electricidade, também é legítimo exigir-lhe que tudo faça para lubrificar a máquina da concorrência. Contudo, para espanto de muitos, vimos há poucos dias o nosso Governo simplesmente admitir que, afinal, não será muito provável que esta liberalização do mercado da electricidade possa conduzir, de per si, a qualquer abaixamento dos preços nos próximos anos! E de que nem sequer é certo que os sucessivos aumentos de tarifários que temos suportado sejam inferiores aos que se verificariam se o sistema tivesse permanecido "fechado"...
Não se pede ao Governo, de facto, que entre em campo e corra atrás da bola, mas deve exigir-se-lhe que arbitre efectivamente, intervindo quando necessário. Não se pode tolerar, porém, que se sente confortavelmente na bancada a comentar a partida.
Depois do choque fiscal, dos choques tecnológicos e de outros abundantes mas menos badalados choques, não admiraria muito que por aí surjam alguns a reclamar que o País necessita mesmo é de um choque eléctrico!
sexta-feira, 1 de setembro de 2006
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