Sócrates da Grécia Antiga ficou célebre na História do pensamento filosófico pela imortal expressão “Só sei que nada sei”. Sem lhe tirar o mérito do esforço de meditação de uma vida, eu sei pelo menos que o Sócrates do Portugal contemporâneo sabe um pouco mais que o seu distante homónimo, mas sei ainda (e, passe a arrogância, até tenho a certeza) que sabe muito mais do que qualquer dos seus antecessores no cargo de primeiro-ministro da era democrática.
Quanto aos seus predicados “profissionais”, aí há que assumir uma descartiana atitude de mais humilde dúvida, porquanto será altamente discutível se terá melhor ou pior visão estratégica para a nação, se possui uma mais profícua “inteligência” de análise dos problemas fundamentais, se goza de um maior savoir-faire ou de uma superior capacidade de decisão do que antigos ocupantes da chefia do governo, como, por exemplo e no limite, Cavaco Silva, Sá Carneiro ou Mário Soares. Tenho, no entanto, por certo que detém duas extraordinárias vantagens relativamente a qualquer outro:
1) Possui maior maturidade do que todos os primeiros-ministros que o nosso País já elegeu, capitalizada na maior dimensão temporal que lhe pode servir para análise de antecedentes – pode “olhar para trás” e ver por que razões a dinâmica de satisfação em torno de Cavaco Silva se esbateu, que fortes pecados cometeu António Guterres por acção e inacção, que “infantilidades” foram apanágio de Santana Lopes, que erros históricos protagonizou Mário Soares.
2) Nunca antes existiu um chefe de executivo a quem lhe fosse possível servir-se de uma maioria de esquerda monopartidária, o que lhe aporta uma oportunidade inédita, num momento em que o País necessita inequivocamente, e mais do que em qualquer outra altura, de políticas “à direita”, em tantas áreas quanto a competitividade da economia, as realidades do universo do trabalho, as finanças do Estado, a segurança, a própria saúde e a educação.
Pois neste preciso ponto, José Sócrates faz o mais categórico e eficaz uso das suas “vantagens competitivas”, entregando sucessivamente inéditos presentinhos à sua direita e óbvias prendas à sua esquerda. Aliando esta ímpar capacidade de distribuir jogo, por todos os jogadores à volta da mesa, a uma cuidadosa e eficaz capacidade de comunicação (leia-se naturalmente um excelente “marketing político”), não podemos deixar de admitir que está brilhantemente gerada a receita para vencer próximas eleições.
Não tenhamos sérias dúvidas ou ilusões a este respeito: Sócrates não é um reformador, e tudo leva a crer que vai desperdiçar uma oportunidade histórica de ficar, ele mesmo, memorizado na nossa História como um grande estadista. Promete reformas de fundo e limita-se, na prática, a algumas “semi-reformas”, de âmbito limitado, meticulosamente mediatizadas, a meras medidas de revisão (às quais dá um cariz de ruptura, sem o serem de facto) ou a simples acções avulso que induzam a ideia de desafio a interesse corporativos que são tidos como entraves a maiores dinâmicas reformadoras.
Refiro-me a um vasto leque de anúncios, decretos e projectos-lei como, por exemplo, o Plano Tecnológico ou ao PRACE, que não se sentem no terreno ou que já demonstraram, aqui e ali, serem pouco mais que o mesmo; ao Simplex, que é um excelente documento mas que não salta do papel para a eficácia; aos orçamentos de combate ao défice, sempre inconsequentes na diminuição da despesa pública, que é onde mais importa; ao disparate OTA e ao super-disparate TGV, que fazem lembrar as casas com o serviço mais caro da TV Cabo e contas da mercearia por pagar há um ano; e a tantos outras falsas acções ou non-senses governativos, que tanto se suavizam por eloquentes e atractivos discursos. (Perdoem não ter referido esta vantagem, pois nela é evidentemente também o melhor primeiro-ministro que já tivemos…)
As hipóteses de uma reforma constitucional que precisamos com diligência ficarão nisso mesmo, em meras hipóteses. O peso do estado na vida das empresas não vai deixar de ser o fardo de sempre. A agilização do mercado de trabalho e a flexibilização dos instrumentos que nos permitam maior competitividade permanecerão na prateleira. A eficiência de gestão social, que essa, sim, cabe ao Estado, continuará sem ver mais e melhores práticas de apoio aos cidadãos. A tranquilidade com que saímos à rua seguirá com os crescentes revezes sem que o governo actue em sentido contrário.
No fundo, ninguém saberá ao certo que pensamentos ideológicos terá José Sócrates.
Muito mais que um não-alinhamento ao estilo Gandhi ou marechal Tito, mais que uma acção apolítica ou “inideológica” como a de Gerhard Schroeder, mais que uma terceira via do tipo Tony Blair, Sócrates abre estreitas vielas em todas as direcções, oferecendo, a cada um de nós, pequenos caminhos que não nos leva eficazmente a lado nenhum. É certo que alguns se incomodam por terem que recuar o muro, mas ninguém fica com a propriedade amputada. Quem reclama, fá-lo por obrigação, ou até por orquestração, mas não por verdadeira convicção ou efectivo incómodo, pois Sócrates não os deixa ter motivos para se indignarem.
Mas quem sai de casa, vê trabalho em curso e buracos no chão…
2 comentários:
Com ideologia ou nsem ela, há "lamentos" que não podemos nos dar ao luxo de deixar cair por muito mais tempo - a começar por uma reforma (não revisão) da constituição, para dar uma maior flexibilização às hoje complexas questões do emprego e do trabalho, e, por outro lado, responsabilizar mais e melhor socialmente o Estado, obrigando-o a melhor gerir "o social" e o "não-trabalho".
Acontece que este PM só está refém de ideologia nos limites onde o seu partido o venha a "apertar". Terá ele, alguma vez, a coragem de os enfrentar em questões constituicionais, como poderia acontecer daqui a 2 anos? Por convicção ideológica, acho que não, pois como dizes ninguém sabe qual é a sua.
Trabalah descaradamente para as próximas eleições e quase todos acham que até está a trabalhar para nós
Não há volta a dar, já ganhou!
Enviar um comentário