domingo, 19 de novembro de 2006
Ganhar indústrias
Desde o primeiro Quadro Comunitário de Apoio aprovado na era Delors até aos dias de hoje, Portugal teve à sua disposição significativas verbas para dinamizar os seus mais carenciados sectores de actividade económica para o embate dos mercados desprotegidos e ultra-concorrenciais. Avultados montantes disponibilizados desde então, por exemplo, na agricultura, parecem não ter germinado de todo. Com raras excepções, foram sementes que morreram na terra.
Volvidos cerca de 20 anos, travamos a batalha da sobrevivência do sector secundário, à cabeça do qual surge incontornavelmente, ainda, a ITV, indústria têxtil e do vestuário. Mesmo representando já só cerca de 10% das exportações nacionais, a contrastar com os 35% à época da entrada na C.E.E., a ITV continua a ser a indústria nacional mais empregadora. Tal como no caso da agricultura, o seu enfraquecimento era um cenário perfeitamente previsível, mesmo que houvesse lugar a uma poderosa canalização das ajudas dos cofres comunitários. Tal como no caso da agricultura, os sucessivos QCA’s, traduzidos nos sistemas de incentivos do PEDIP, PEDIP II, IMIT e, mais recentemente, Dínamo e PRIME, foram-lhe atribuindo, sem grandes diferenciações, verbas mais ou menos generosas para a sua modernização. Tal como no caso da agricultura, já se registam tímidas intervenções a questionar sobre a maior oportunidade de “deixar cair” a ITV em benefício de outras com maior potencial de se imporem internacionalmente.
Ganhar algo ou perder tudo, concentrar esforços ou dispersar recursos, é o cerne deste dilema que não pode deixar de ser visto como de algum bom senso, por muito violento e politicamente incorrecto que até possa parecer
Mas exactamente por essa ordem de ideias, não temos que “dar de barato” a contenda de toda a Indústria Têxtil e do Vestuário neste mercado global. Há sub-sectores da ITV, produtos específicos e áreas ou nichos de mercado em que ela tem todas as hipóteses de competir ao mais alto nível internacional, como disso já tem dado claras provas. O que provavelmente continuará a ser um caminho errado será o de não destacar como prioritárias certas especificidades de tipologia de produto e de políticas sub-sectoriais. Da mesma forma que agora verificamos que são escassos mas existem sub-sectores agrícolas com algum futuro, como o dos vinhos ou o da promissora agricultura biológica, dentro de alguns anos poderemos muito bem constatar que se apoiaram sem consequências áreas da ITV, bem como aliás de outras indústrias, e que, pelo contrário, foram insuficientemente incentivados outros seus sub-sectores, outras actividades, outros produtos e serviços mais promissores. Seria, pois, de todo recomendável que as entidades nacionais procedessem, enquanto é tempo, a um aprofundado estudo sobre os elementos da ITV - assim como naturalmente de outras indústrias mais ameaçadas - que possam mais produtivamente frutificar.
Vejamos as palavras-chaves dos sucessivos programas de apoio de que esta indústria, e outras, beneficiaram até ao presente, desde o PEDID ao PRIME: equipamentos novos; informatização; qualidade; recursos humanos qualificados; marcas próprias; design; internacionalização; diferenciação/inovação; I&D e tecnologia em “dose-choque”. Acontece que, sempre que o futuro acabou por dar razão a tais lemas, ele próprio se encarregou de evidenciar que tais conceitos surgiram tarde demais. Quando se proclamava a necessidade de apostar na qualidade, já as empresas deveriam estar norteadas por tal prioridade e dedicar-se à internacionalização e à inovação. Quando se apela agora à Investigação e Desenvolvimento, já todos deveríamos estar com a respectiva máquina da inovação profissionalizada e pensar sobre que novas vantagens competitivas fazer desabrochar. Mas resulta sobretudo ainda que, para além de chavões tardios, os referidos lemas pecaram por isso mesmo, por serem palavras de mote generalistas, não aplicadas com orientação selectiva para os produtos, as empresas e os sub-sectores com actividade de maior potencial económico e competitivo.
Hoje muito se destaca a “clusterização” ao nível das novas tecnologias ou das energias renováveis. Não faria tanto ou mais sentido aplicá-la a áreas tradicionais específicas que já demonstraram o seu potencial competitivo?
Já há mais de 10 anos, os relatórios Michael Porter identificavam, entre um punhado de áreas de oportunidade para Portugal (entre os quais a do turismo, que ninguém hoje se atreve a contrariar), a indústria das malhas como um importante sub-sector da ITV que detém um “know-how” diferenciado e altamente competitivo. A realidade presente revela que as duas únicas empresas produtoras de fibras estão controladas por capitais estrangeiros e tendem as deslocalizar, que praticamente não temos fiações a operar no País, que as empresas de tecelagem nacionais contam-se pelos dedos das mãos, que as tapeçarias, as passamanarias, os bordadores, as cordoarias ou os “não-tecidos” correspondem a “ilhas” de actividade sem peso real na economia. Resta, na realidade, pouco mais do que a indústria das malhas, que, a par com a dos “têxteis-lar”, vai alimentando um conjunto de empresas de tricotagem, de tinturaria, de acabamentos e de confecção. Não teria sido preferível discriminar positivamente este sub-sector de maneira a que ele estivesse hoje mais forte e com mais sólidas perspectivas? Não será ainda possível reexaminar toda uma indústria, e toda uma ITV em particular, de modo a favorecer as actividades e as empresas que mantêm vantagens de base para a competição dos anos vindouros?
Mudar de lemas já provou que pouco colhe. Não seria altura de mudar de táctica?
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