sexta-feira, 27 de outubro de 2006

Rosa Negra


Diversos analistas políticos convergiram na apreciação de a penúltima semana de Outubro terá sido a pior do Governo desde a sua posse. Na realidade, cerca de metade das grandes áreas de governação foram envolvidas, pelos próprios responsáveis máximos, numa ímpar sucessão de declarações infelizes, argumentos ininteligíveis, contradições desconcertantes e desmentidos atrapalhados.

Com a honrosa excepção de um chapéu bem levantado para a actuação do Ministério da Educação, onde uma aparente tenacidade e a lúcida coerência das posições poderão vingar perante habilidosas orquestrações políticas que têm procurado afinar os já de si difíceis resistentes das letargias do sector público do ensino, pelo menos enquanto não existirem razões para também se despertarem a tantas vezes decisiva força dos movimentos estudantis.

Vimos porém, um Ministro da Saúde já com sérios problemas com a máquina partidária que sustenta o Governo, a propósito de polémicas intenções em fechar urgências de hospitais de concelhos distantes do litoral que, o que mais precisariam, com urgência e na realidade, seria a aproximação à faixa mais desenvolvida do nosso território. Vimo-lo ainda tecer considerações estranhas sobre descidas de preços dos medicamentos e com uma súbita e acérrima defesa da aplicação de taxas moderadoras aos internamentos e às cirurgias, sem correctamente explicar os mecanismos de discriminação que possam introduzir alguma justiça social em semelhante modelo.

Vimos o Ministro das Finanças pronunciar, de novo, os velhos chavões do orçamento de “rigor e de contenção”, “de verdade e de transparência”, quando nos tinha procurado preparar a todos, e nessa altura com o devido “sentido de Estado”, para a inevitabilidade de políticas orçamentais verdadeiramente orientadas por princípios reformistas, que, afinal, não irão muito além de medidas norteadas por avulsos desafios a algumas corporações, medindo-se cuidadosamente on line o seu reflexo na opinião pública, sob a égide da encenação mediática em que o Primeiro-Ministro já demonstrou ser o mais pródigo executante que o Portugal democrático alguma vez viu.

Vimos ainda o ex-comunista Ministro dos Transportes quebrar a segunda grande promessa eleitoral da campanha socialista, e desta vez não se fazendo acompanhar do humilde pedido de desculpas por parte do Primeiro-Ministro, ao anunciar que algumas das SCUT’s iriam deixar de o ser, passando a auto-estradas com portagens. O facto em si já seria suficientemente grave no plano daquilo a que não se pode deixar de apelidar de “desonestidade política”, porquanto leva naturalmente outras forças políticas, como o PSD e o CDS-PP, que desde sempre optaram pela ingrata e impopular posição de permitirem “queimar” potenciais votos com a defesa da abolição das SCUT’s, a interpretarem correctamente tal anúncio (passe a linguagem “de mercado”) como uma efectiva concorrência desleal. Mas a contradição de Mário Lino não esgota o catastrofismo nela própria, ainda se agrava cumulativamente nas explicações oferecidas para a parcialidade da sua execução. Se, por um lado, poderia ser minimamente aceitável que o envergonhado “arrependimento” deixasse de fora as vias que ligam municípios do nosso interior, por uma mera questão de coesão e maior justiça territorial, já não pode ser tolerável, de forma alguma, que as SCUT’s deixem de existir na faixa litoral norte e permaneça gratuita a Via do Infante! Critérios sócio-económicos foram advogados sem sustentação sólida, na medida em que hoje se encontra por demais provado que as regiões mais negativamente discriminadas nesse plano (múltiplos índices e rácios ligados ao poder compra, ao investimento público ou aos níveis de desemprego), se encontram nos distritos do Porto, Braga e Viana, muito mais do que no Algarve. Temos, pois, que admitir que à decisão presidiram razões do foro político, para o que será útil recordar a força do “lobby” metropolitano algarvio e a mudança da Câmara Municipal de Faro para a gestão socialista. Pretenderá mesmo o Eng. Lino que nos convençamos ser mais difícil usar a EN 125 para ir de Faro a Olhão do que a EN 13 do Porto até Esposende?

Vimos, por fim, um Ministro da Economia que, cada dia que passa, mais vai sustentando a ideia que se instalou de ter sido um enorme erro de casting.
Escrevi numa coluna de O Primeiro de Janeiro em Maio passado, que Freitas do Amaral teria que abandonar o Governo bem antes do final do ano, pois, se ele próprio não reconhecesse que o País não poderia suportar um Ministro confessamente cansado, José Sócrates teria que o concluir por si mesmo. Nessa altura, acrescentei que o outro Ministro que parecia dar semelhantes sinais de “fadiga” era Manuel Pinho, podendo ser o segundo mais sério candidato a trocar as reuniões de executivo por uma vida de maior repouso.
Entendo, de facto, que Manuel Pinho revela uma desorientação inata, ou, para ser mais delicado, muitas vezes se distrai, distraindo-se até do facto de que anda distraído
.
Não sustento tal afirmação apenas por ele ter recentemente afirmado que o aumento das tarifas eléctricas domésticas o “apanharam surpreendido”. Provavelmente algum funcionário do seu gabinete se terá distraído de lhe comunicar que a EDP teria proposto à Entidade Reguladora do Sector Eléctrico (ERSE) um aumento superior a 15%, uma vez que este tipo de propostas são executadas com uma antecedência que não permite propriamente grandes surpresas. Mas terá também se distraído de que o “timing” para a ERSE decidir o montante das tarifas a aplicar seria este mesmo, pois se tal não tivesse ocorrido, teria por certo procurado conhecê-lo antes da ERSE o revelar publicamente. E quando ao País anunciou a sua surpresa, este logo lhe lembrou de que se terá distraído de ter sido ele próprio a propor e fazer aprovar a legislação conducente a aumentos de tal natureza.
Mesmo sem querer ser exaustivo, há ainda o episódio do “decreto” de fim da crise, que nos fez raspar a fronteira do ridículo. Seja para evitar o cansaço ou por outra qualquer razão, já tinha parecido que Manuel Pinho pretendia encetar uma nova era de discurso quando, há cerca de um mês, interveio no encerramento do Forúm ATP da Indústria Têxtil, afirmando que apenas pretendia felicitar o sector por ter sabido vencer a crise! Tal argumento foi apoiado no facto de ter na sua possa elementos que indicavam um aumento de 0,4% nas exportações têxteis do 1.o semestre de 2006. Tudo isto foi obviamente acolhido pela generalidade dos industriais presentes como praticamente do foro da provação ou do insulto, porquanto tais exportações sofreram enormes baixas desde há quase uma dezena de semestres a esta parte, sendo certo que qualquer estudante do 1.o ano de Economia sabe que, entre um cenário de recuperação económica e um aumento de 0,4% após recessões repetidas, vai uma distância maior do que entre os pseudo-confiantes discursos eloquentes de um ministro e a sua vontade de escutar as preocupações e as propostas dos empresários.
Não precisamos sequer de abordar as célebres declarações do seu Secretário de Estado, sobre o qual o Ministro tem óbvias responsabilidades políticas, para insistirmos que o País não está em condições de suportar governantes com dias infelizes, muito menos governantes infelizes e distraídos!

1 comentário:

Anónimo disse...

O manel anda mesmo a dormir. Podia-lhe dar uma dor nas costas como ao outro.