domingo, 14 de outubro de 2007

Alto Risco de Norte - part I

“Portugal é Lisboa e o resto é paisagem” cantava o melancólico fado nacional ao tilintar das moedas de 25 mil reis, ao gosto do arroz de quinze, à vista das obras de Duarte Pacheco e ao sabor dos golos do Eusébio. Para fechar os sentidos, as popularuchas marchas de Sto. António gritaram alegremente “cheira bem, cheira a Lisboa”, toada sobranceira que vai persistindo até aos nossos dias, e que para alguns não passa de um mero pleonasmo do primeiro triste fado. Para os mais ricos de espírito, o resto do País não tem evidentemente odor agradável.
Porém, a dado momento da História Contemporânea Portuguesa, uma estranha força nortenha, propulsionada pela concentração das agora chamadas “indústrias tradicionais” (e que por sua vez era movida pela força do trabalho e pela tenacidade das buçais gentes de rude sotaque), obrigou o País a reconhecer um outro grande pólo de desenvolvimento nacional nos territórios antes ainda apelidados de Portucale. Porta-estandartes desse novo capital de enriquecimento eram, por exemplo, Afonso Pinto de Magalhães, Soares da Costa, Salvador Caetano, Américo Amorim, as famalicenses famílias Melo e Oliveira, vários outros “clãs” de Braga, Trofa, Guimarães ou Vila do Conde, notáveis advogados como Miguel Veiga ou o próprio Francisco Sá Carneiro. Parecia então, de facto, que a Nação podia, enfim, deixar de ter um certo cariz terceiro-mundista, tão típico ainda hoje de diversos estados africanos, sul-americanos ou asiáticos, onde prevalece o lema “uma grande capital e decoração em seu redor”.
Como confirmarão certamente vários sociólogos, nos quais me atrevo a incluir António Barreto (que aliás muito admiro enquanto opinion-maker, mas que desconheço se se disporá a “enfiá-lo” a si próprio neste caso), as décadas de 60 a 80 permitiram um período de ouro ao Norte, com valores de PIB per capita efectivamente invejáveis. A dinâmica contributiva para os cofres nacionais atingiu cinéticas nunca antes registadas em qualquer etapa pós-Port Wine, induzindo níveis de qualidade de vida absolutamente ímpares, tanto para os nortenhos eles próprios, como para o “todo nacional”. Entretanto, a distribuição dos cobres europeus sofreu vezes e revezes, normalmente a contra-sabor dos campeonatos de futebol de azul-e-branco pintados. “Com a auto-estima elevada pelas vitórias na bola, o norte vai-se entretendo” poderá certamente ter-se pensado no Terreiro do Paço. Coincidência ou não, quando a Avenida dos Aliados buzina e desfralda bandeiras por vitórias sobre relva, não canta normalmente vitória por ter sido capaz de captar fundos da administração central.
Torna-se contudo absolutamente inegável que, desde o 2º governo de Cavaco Silva, o peso político do Norte foi-se tornando de uma pluminha leveza. Hoje assistimos a uma grotesca concentração de investimento público e de incentivos às grandes realizações privadas na zona de Lisboa, de que o novo aeroporto é apenas o vértice do icebergue, e as “7 maravilhas nacionais” um mero pré-cozinhado toque de humor de gosto duvidoso. Fomos e vamos sendo alertados para tudo isto, cada um a seu estilo, pelos mais recentes rostos nortenhos como Belmiro de Azevedo, Artur Santos Silva, Ludgero Marques, Pinto da Costa, clã Loureiro, Fernando Gomes (o político), Daniel Bessa, Valente de Oliveira, Silva Peneda, Couto dos Santos, etc.., secundados em palco por uma luxuosa entourage de distintos snipers como Pôncio Monteiro ou Manuel Serrão, Alexandre Quintanilha ou Teresa Lago, José Rodrigues ou Jaime Isidoro, Carlos Magno ou Rodrigo Guedes de Carvalho, ou até Luís Marques Mendes e Luís Filipe Menezes (!)
Como declaração de princípios, devo dizer que, logo após cidadão do mundo, me considero orgulhoso português, antes de nortenho e de portuense. Não desejo ver Lisboa a arder, nem sequer defendo que LVT signifique “Lisboa Vale pelo Tejo”, muito menos “Lisboa Vai pelo Tejo”. Gostava de continuar a ver no meu País uma grande capital, mas capaz de dinamizar outras regiões fortes, sem temor de concorrência nem risco de se auto-implodir de tão aglutinadora que se faz.Por isso, tanto confio na nova geração de nomes nortenhos, credíveis, tenazes, equilibrados e “inlisbonizáveis”, tais como Rui Rio, Alberto Castro, Rui Moreira, Francisco Assis, Sobrinho Simões, Luís Ferreira, Paulo Nunes de Almeida, Manuel Teixeira ou Bruno Carvalho. Peço-lhes pois que não me deixem ficar mal. Corrijo, por favor, não nos deixem ficar mal. Assim seja, assim se faça uma boa malha.

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