domingo, 21 de janeiro de 2007

Aqui, sei lá

Na votação de "melhor português de sempre" (algo que, por natureza, é iniciativa um pouco bizarra e de injusta exequibilidade), por enquanto, balanceio-me entre D. João II e Infante D. Henrique. Também admito poder pender para o Marquês do Pombal.
O objectivo final do programa não anda longe do idiota, o gasto de tempo com os 50 últimos dentro dos 100 torna-se uma inutilidade folclórica, oesquema de construção da votação é um lugar demasiadamente comum, mas os debates e as argumentações cabem já no interessante e a missão de fazer chegar facilmente a História é quase brilhante.
Quem terá sido, enfim, segundo o meu critério, o português que melhor ajudou a nação e o presente de nós todos, por especial mérito e efectivo esforço, e não por casual "arte" ou um mero empenho com bons ventos, é coisa do mais complicado que há.

Quanto ao aborto, a minha decisão não será perfeitamente absoluta e inabalável, se bem que os (longos) tempos de reflexão e hesitação terão já passado eventualmente. Já votei "Sim" a pergunta idêntica (parecida, pelo menos).
Não conto agora não votar "Não".

domingo, 14 de janeiro de 2007

Dizer sim ao "Não"

O mais potente (e sério) argumento dos defensores do "Sim" consiste na lucidez de constatar que o nosso País não conseguirá controlar, a curto prazo, o número de gravidezes indesejadas potenciadoras de aborto e a dificuldade em travar as práticas clandestinas que as resolvem.
É respeitável quem tenda para votar "Sim" por se centrar essencialmente neste ponto. É muito respeitável quem leve esta conclusão à convicção por solidariedade com os que efectivamente não têm, ou muito dificilmente criarão, condições para educar uma criança com meios satisfatórios. Pensamento prático e solidário, sem dúvida, se bem que não faça sentido mudar uma lei pelo simples facto de que não se consegue fazê-la cumprir.
Todos os demais argumentos invocados pelo "Sim" são facilmente desmancháveis.

Mas será que o País que queremos é a vivência dos males menores? Será que a resolução pelo caixote do lixo dos dramáticos casos de aborto, que também levam à boleia todos os outros casos de simples inconveniências, nos levam a criar um espírito de exigência para com os nossos governantes e os nossos concidadãos? Será que é verdadeira utopia obrigar o Estado a encontrar melhores soluções para questões tão importantes como esta?

Que não restem ilusões, quem vota "Sim", vota pelo conformismo, pelo mal menor e pela responsabilização da própria sociedade perante situações sociais que caberiam ao Estado.
Mas, no cenário actual, o voto de protesto, de inconformismo e de exigência é o do "Não"

Votar "Não" significa obrigar os decisores a despenalizar as mulheres que abortam, separando questões que nunca deveriam ser misturadas no referendo. E não tenhamos dúvidas que a actual maioria de esquerda levaria, de imediato, a que um projecto-lei desta natureza fosse votado, e aprovado quase unaninemente.
Votar "Não" significa forçar o actual governo, e os que se seguem, a finalmente investir, de forma conveniente e em força, em informação, em educação sexual no ensino e em planeamento familiar com resultados. Aqui, estaremos sempre todos de acordo, que o principal será sempre prevenir e portanto accionar estas políticas informativas e formativas, o que, evidentemente, com aborto livre será muito mais difícil. (Também estaremos concordantes em que já muito se devia ter feito, de há 8 anos até agora, por parte de todos quanto puderam decidir, tenham eles votado "Sim" ou "Não", mas cabe-nos a todos exigir que, tirando partido da nossa maior maturidade democrática e cívica, tais erros não se repitam.)
Votar "Não" significa ainda não fechar a porta a que o Estado repense melhores formas de resolver os dramas das gravidezes rejeitadas. Se existe via para que o Estado venha a assumir as responsabilidades sociais, que são a sua primordial razão de existência, não será votando "Sim".

Eu sonho com um País cujos governantes decidam que devem convencer as mães que não querem ter um filho e as ajudem a fazê-lo crescer. Eu desejo um Estado que, no limite, se encarregue pela educação de um bebé indesejado e o leve até à idade adulta, pela adopção ou pela inserção numa instituição social ou religiosa, como faz se o bebé for abandonado num hospital após nascer. Eu pretendo estar numa sociedade que não distinga os direitos de quem tem 9 meses de vida ou apenas 9 semanas. Eu exijo a utopia da mobilização do verdadeiro espírito humanista português, que provavelmente ainda temos, no apoio a todos quantos sejam afectados por reais dificuldades de vivência e de sobrevivência.
Eu não vejo realmente justiça senão passarmos pela solidariedade para com TODOS. Para com os que não podem MESMO e para com os que DE CERTEZA querem viver.
Prefiro um dia morrer com estas utopias do que ir vivendo sem protestar por um País que sempre alinha pelos males menores.

sábado, 13 de janeiro de 2007

Falácia pública

Neste período de pré-campanha do 2.º referendo ao aborto, está visto que já entrámos no belo terreno da demagogia. De um lado e de outro, está claro.
Mas se tem havido estratégia de argumentação falaciosa, ela provém da tentativa de fazer crer que vamos decidir apenas pela manutenção da criminalização ou pela descriminalização das mulheres que abortam.
É evidente que, tal como nos foi imposto, também é disso que vamos tratar, muito embora fosse desejável que as questões pudessem ser colocadas separadamente. E aí, não é preciso ser-se competente vidente para sugerir que seria esmagador o "sim" à descriminalização das abortadoras e que seria claro o "não" ao livre aborto (e à consequente manutenção da criminalização dos outros actores, médicos e afins).

Vejamos a expressão das contradições que se estão a gerar nos cidadãos - sondagem Público/ TVI/ RCP/ Intercampus, de 12/01/2007, por voto em urna, conforme boletim do referendo, a 1525 indivíduos:
"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"
SIM - 60,1%; NÃO - 28,6 %; Não vota/não sabe/não responde - 11,3%
Simulação dos resultados após distribuição: SIM - 67%; NÃO - 33%

Mas espantemo-nos com os resultados a outra pergunta-chave, pelo mesmo sistema, aos mesmos 1525 indivíduos:
"O aborto deveria ser autorizado em situações em que a mãe não deseje ter um filho?"
SIM - 43%; NÃO - 45%; Não vota/não sabe/não responde - 12%
Simulação dos resultados após distribuição: SIM - 48,9%; NÃO - 51,1%

Confusão, sim ou não???
Por algum motivo, o texto da pergunta foi aprovado pelo Tribunal Constitucional por 7 votos contra 6.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Mão de esperança ou a foto do século

U.S. Journal, 1999
A foto é de um feto de 21 semanas, cuja mãe estava a ser operada pelo cirurgião Joseph Bruner.
Foi diagnosticada ao bebé “coluna vertebral fissurada” e não teria hipóteses de sobreviver, a não ser que fosse operado ainda dentro do útero da mãe.
A mãe, Julie Armas, é enfermeira obstetra em Atlanta. Dessa forma tomou conhecimento do inovador procedimento cirúrgico do Dr. Bruner, que exercia no Vanderbilt University Medical Center, em Nashville. O médico interveio através do útero, por uma abertura, tendo efectuado uma pequena incisão para operar o bebé. Quando Dr. Bruner terminou a cirurgia ao feto, este estendeu a sua pequena mão pela incisão e agarrou com firmeza a mão do cirurgião. O Dr. Bruner disse que quando viu o seu dedo agarrado, esse foi o momento mais emocionante da sua vida, e por um instante, durante o procedimento tudo ficou totalmente imóvel. O fotógrafo capturou esse acontecimento impressionante com perfeita nitidez. Os editores nomearam a foto “hand of hope” ("mão de esperança").

O texto da manchete explica as fotos a seguir:
"A pequena mão do feto de 21 semanas, Samuel Alexanders Armas, emerge do útero de sua mãe para agarrar o dedo do Dr. Joseph Bruner, como se estivesse agradecendo ao médico pelo dom da vida."
"A mãe do pequenino diz que eles "choraram durante dias" quando viram a foto. Ela disse: "A foto lembra-nos que a minha gravidez não tem a ver com deficiência ou uma doença, mas sim com uma pequena pessoa."

A operação foi 100% bem sucedida.
Samuel nasceu com perfeita saúde no dia 2 de Dezembro de 1999.


domingo, 7 de janeiro de 2007

Egoísmo ou sacrifício

Infelizmente, muitos de nós temos histórias de infortúnios que levaram a sacrifícios pessoais, por erro, negligência ou inevitabilidade, obrigando a prosseguir na vida por causa da própria vida, a nossa e/ou a de outros. Daí que é injusto pensar que, apenas pelo facto de um embrião não ser visível ou de ter um grau de evolução menor do que um bebé maior, mereça menos esforço. Se se exprimisse, talvez não houvesse quem entenda que a lei seja a única defesa que pode ter, mesmo que não totalmente garantida.
Enterrá-lo enquanto não pode trazer grandes memórias é egoísta. Não tem essencialmente nada que ver com o altruísmo dos animais fêmeas que matam as crias nascidas quando o instinto lhes diz que não terão bons meios de sobreviver.

No nosso País, já não deverá haver cidadão que não conheça a origem da procriação, mas é temível que a nossa consciência cívica média não esteja ainda preparada para saber ler convenientemente os resultados de uma lei "Sim" (os países menos evoluídos, cívica e culturalmente, viram na mudançada lei os mais brutais aumentos no número de abortos).

É deprimente que a lei convide uma mãe a matar um bebé em gestação, em vez de a convidar a gerá-lo mais 6 ou 7 meses, e depois entregá-lo a quem lhe possa fazer bem, seja o pai, uma outra família, uma outra organização. Dar-lhe o direito de usar o caixote do lixo para se esquecer, e de evitar vir a ser confrontada com uma existência confrangedora, não estaria mal se não estivesse em causa uma vida, ou uma pequena forma de vida. Assim é irresponsável. Aliás, não foi sem a sua colaboração activa, com maior ou menor grau de negligência, que se gerou uma gravidez.
É abominável que o Estado se demita de directa ou indirectamente procurar dar um destino de vida a uma criança não desejada num dado momento (com melhores políticas de apoio à mãe, estimulando a sociedade a uma maior cultura de solidariedade, ou em alternativa, por exemplo, avaliando as condições de responsabilização do pai e a vontade de outros familiares, induzindo a adopção por outro casal, permitindo a intervenção de uma instituição, etc..) em vez de financiar uma pequena verba para se ver livre de um futuro cidadão que lhe pode dar um bocado de trabalho se nascer.

Não dar mais opções a uma cidadã que, num período curto de reflexão, entenda que não está disposta a educar uma criança, ou não a obrigar a pelo menos trazê-la ao mundo (já que nada nem ninguém pode fazer essa parte por ela), é cruel.

sábado, 6 de janeiro de 2007

Porque Não

Convenhamos que há diversas razões respeitáveis do lado do "Sim" e do lado do "Não", e que nenhuma das duas soluções é obviamente perfeita.

Más razões ou não-razões para o "Sim", há muitas. Boas razões há 2:
1- Haverá sempre abortos provocados, por isso que se dêm boas condições para a sua realização
2- Existem gravidezes indesejadas que, se forem levadas até ao fim, para além de causarem fortes transtornos sociais, profisisionais ou económicos às mães, podem não permitir que a criança se desenvolva em boas condições sociais e económicas

Para o "Não", também há várias más razões e não-razões. Mas boas razões, encontrei 32:
1- Porque não se pode restringir a propriedade de um embrião a quem o gera, ele é sobretudo dele próprio, do País e do mundo também
2- Porque não é bonito resolvermos as dificuldades matando algo ou alguém
3- Porque não existe magia maior do que um ser humano em gestação
4- Porque não se pode negar a um ser tão vulnerável a única protecção que o País lhe pode actualmente dar
5- Porque não temos outro remédio na vida, senão assumirmos os contratempos e arcarmos com os nossos erros, sobretudo quando estão em causa altos valores
6- Porque não é razoável que o Estado financie abortos em vez de trabalhar em políticas sociais que melhor apoiem quem mais precise para fazer crescer uma criança
7- Porque não é correcto que o Estado se demita de ajudar um bebé não nascido até à sua idade adulta, quando o faz com um bebé vivo abandonado num local público
8- Porque não é legítimo considerar que a vida pode ser destruída, por qualquer razão, com 10 semanas, e não se já tiver 11, 12 ou 15
9- Porque não é definitivamente a mesma coisa o uso de métodos contraceptivos, para evitar o aparecimento de uma vida, ou acabar com ela


10- Porque não está proibido, na actual lei, que se realize o aborto provocado quando está em causa a saúde da mãe, uma má-formação do embrião ou uma gravidez por violação
11- Porque não é a actual lei do aborto um verdadeiro problema nacional, mas sim o nível de vida de muitos portugueses
12- Porque não existe nenhum estudo que aponte claramente que percentagem de casos lidam com condições sócio-económicas realmente impróprias e, por outro lado, quantas são as intenções de aborto motivadas por simples constrangimento sociais ou de progressão profissional
13- Porque não se iria permitir, pela lei proposta, o direito do pai se responsabilizar pela criança após nascer
14- Porque não está sequer consagrada, nessa nova lei, a possibilidade de a criança ser acolhida por uma outra família, uma igreja ou uma instituição social pública ou privada
15- Porque não faz falta em Portugal nenhum tipo de incentivo à redução natalidade, estando o País a envelhecer
16- Porque não está ainda tudo feito em matéria de informação preventiva, de planeamento familiar, de educação sexual no ensino e de fomento de uma cultura de solidariedade na sociedade
17- Porque não há actualmente nenhuma portuguesa que não possa tomar a pílula abortiva, do "dia seguinte"
18- Porque não existe quem possa garantir que a mudança da lei não resulte num brutal aumento dos abortos em Portugal, à semelhança do sucedido noutros países ou pior ainda
19- Porque não ficará o País fica mais moderno e próspero por ter uma lei do aborto mais liberal e europeia
20- Porque não faltam lugares no mundo em que vigora a liberalização e onde já se discute se a lei deve voltar a proibir o aborto forçado, como em Inglaterra ou na Alemanha, ou até já se referenda o regresso à lei antiga, como em certos estados americanos

21- Porque não faz nenhum sentido repetir o mesmo referendo passados 8 anos, só porque o Não ganhou por poucos votos e o País estar numa “maré de esquerda”
22- Porque não é o julgamento de mulheres a questão central do referendo, bastando o Parlamento pretender descriminalizar as abortadoras, para resolver esse detalhe
23- Porque não há uma única mulher condenada por aborto, muito poucas foram julgadas e as que foram tinham gravidezes bem mais evoluídas do que 10 semanas
24- Porque não é mais falacioso pensar que se pode ir abortar a Espanha do que decidir mudar a lei só porque haverá sempre quem a viole
25- Porque não há garantia para ninguém de que o trauma causado por um aborto não seja maior do que ajudar a dar um destino de vida a uma criança que não era desejada à partida
26- Porque não sabemos nunca se o português que estamos a permitir matar não poderá ser amanhã um compatriota de quem todos nos possamos orgulhar, útil ao País ou que simplemente faça a felicidade de outros e a dele próprio
27- Porque não conseguimos nunca analisar as coisas tão claramente “a quente” e haverá sempre um sério risco de simplesmente nos arrependermos de algo grave que não podemos corrigir
28- Porque não há muitos sacrifícios feitos por fortes causas que a vida que não nos retribua de algum modo
29- Porque não devemos fazer aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem a nós (catolicismo à parte)
30- Porque não é sério perguntar aos portugueses “concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez…?” quando está efectivamente em causa “concorda com o fim de uma gravidez por qualquer motivo…?”


31- Porque não é correcto que o Estado induza na sociedade uma “cultura laxista" ou uma "cultura de morte”, sobretudo quando tem consciência de que não pode accionar outras vias eficazes de as minimizar, demitindo-se de fazer mais para proteger um cidadão em potencial, só porque entende que essa sua protecção pode ser desrespeitada por alguns e por haver dificuldades em puni-los.
32- Porque não há dúvida de que, na dúvida, se devem deixar as coisas estar como estão

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Interrupção???

Todos os que estamos para lá da casa dos 20 anos, certamente nos recordamos da célebre frase que era exibida pela RTP quando ocorriam problemas técnicos nas emissões: "Pedimos desculpa por esta interrupção. O programa segue dentro de momentos".

In Porto Editora, Dicionário da Língua Portuguesa: "INTERRUPÇÃO - s. f., acto ou efeito de interromper; paragem; suspensão; reticência; aquilo que se interrompe; (Do lat. interruptióne-, «id.»)

Por definição , só se interrompe aquilo que possa ser retomado. Mas a Vida será talvez a coisa em que menos isso pode suceder. Uma gravidez pode, em cada momento, prosseguir ou simplesmente acabar.

Interrupção? IVG? Importam-se de repetir?

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

10 semanas

Não entremos numa vaga de exibir fotos de bebés ensaguentados e desfeitos depois de lhes ter sido cortada a vida, nem de publicar poemas sobre os diálogos imaginários entre um embrião indesejado e a sua mãe prestes a rejeitá-lo.

Mas tenhamos uma ideia de como é um bebé com 10 semanas, através de um excerto do excepcional documentário recente do National Geographic:

http://apfn.ficheirospt.com/documentario/10semana.wmv