sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Não há estrelas no céu...


Ao cabo de dois anos e meio de trabalho do primeiro executivo monopartidário de esquerda que goza de maioria absoluta, ocorreu finalmente a tão propagada remodelação governamental. Na realidade, tal remodelação envolveu apenas mais um novo rosto ministerial do que a mera “Operação Campos e Cunha” ou a sofisticada “Operação António Costa”, e tantos novos titulares de pastas como a “Operação Freitas-Amado-Severiano”. Mas, perante a escassa profundidade desta intervenção de José Sócrates, não tenhamos ilusões relativamente às suas motivações políticas. Ela constitui por si mesma, e já na sequência da reversibilidade dos processos de decisão Ota-Alcochete, um ponto de viragem da postura governamental, que assim inaugura o período de pré-campanha para as eleições legislativas de 2009.
O desastroso ministro da Obras Públicas mantém-se no cargo após ter sido profundamente desautorizado pela sociedade civil, pelo próprio Presidente da República e, ao fim ao cabo, pelo chefe de governo. Também não se remodelou o ministro da Economia, capaz de exibir um sem-fim de indicadores negativos relativos à Indústria e ao Comércio e que, em boa parte, estão na origem daquilo a que todos vamos chamando “crise económica”; tem, no entanto, como grande cartão de visita do seu magistério o índice de exportações ligeiramente crescente nos últimos dois semestres, situação que os analistas se unanimizam em considerar como sendo mérito essencial da actividade empresarial privada e não como resultado da aplicação de políticas ou medidas tomadas pelo seu ministério. A ministra da Educação, que parecia, a dada altura, ter um espírito reformador assertivo, encontra-se já totalmente descredibilizada, sem fulgor nem aparente capacidade de levar à prática as iniciativas anunciadas, fornecendo nítidos sinais de hesitação e insegurança, em função da contestação crescente que, por sinal, ainda não atingiu estudantes, mas promete ser minada por parte de uma importante vaga de professores. Poderiam ainda ser citados os quase inexistentes ministros da Agricultura e Pescas e do Ambiente e Ordenamento do Território, que normalmente dão apenas meros sinais de vida sempre coincidentes com declarações politicamente trágicas e indiciadoras de pertencerem a um outro qualquer governo de um outro qualquer país que não o nosso.
Estes ministros sim, provavelmente mais do que aqueles que há poucas semanas saíram, deveriam ser remodelados. Os danos que têm causado às causas estruturais da governação são manifestamente mais graves do que as inábeis posturas da ex-ministra da Cultura e, no mínimo, tão graves como as do ex-ministro Correia de Campos.
No entanto, remodelar um ministro “estrutural”, como os supra-citados, a pouco mais de um ano de eleições poderia ser lido, por parte dos eleitores, como um sinal de fraqueza de um primeiro-ministro que, viria assim, afinal, reconhecer que não acertou nas políticas de eixos fundamentais da governação. O que, de facto, poderia pensar o cidadão-eleitor se fizesse contas à demissão dos responsáveis de pastas tão fortes como a Economia, a Educação ou as Obras Públicas, para além das já anteriormente ocorridas nas Finanças, Administração Interna, Negócios Estrangeiros e Defesa? “Então Sócrates não acerta uma?” poderia certamente ser uma interjeição demasiado crua, provável e danosa.
Fica então muito mais fácil e popular retirar de cena uma ministra que visivelmente não existia, que perdeu batalhas importantes (como a do Túnel de Soares dos Reis) e que pertencia a uma “pasta menor”, como era o caso de Isabel Pires de Lima, e afastar um ministro que gerava incómodas manifestações genuínas de desagrado para com o governo, um pouco por todos o País, como Correia de Campos. Transmite-se a ideia de responsabilidade e atenção a pontos menos bons, que sempre qualquer governo tem, passa-se a mensagem de autoridade de um primeiro-ministro corajoso e, sobretudo, disfarçam-se pequenas fraquezas mais aparentes, sem contudo actuar nos pilares fundamentais da instabilidade, por não haver tempo para os reequilibrar. Essencialmente devido a eleições já em 2009.
No momento em que Diogo Freitas do Amaral apresentou a sua demissão dos Negócios Estrangeiros, regozijei-me por antes ter previsto, exactamente nestas páginas de “O Primeiro de Janeiro”, que seria ele o sucessor de Campos e Cunha na saída do executivo. Simultaneamente arrisquei a sugerir que seria Manuel Pinho o “cliente seguinte” e que provavelmente Mário Lino não chegaria também ao final da legislatura. Pois naturalmente reconheço que foi muito pouco certeira a nova previsão, pelo menos assim está claro relativamente ao titular da Economia. Provavelmente pequei por não ter considerado que José Sócrates podia iniciar a pré-campanha quase um ano e meio antes das eleições. Não há, pois, (ainda) estrelas no céu.
Parece que o governo inteiro se uniu para nos gozar…

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