sábado, 24 de fevereiro de 2007

Boas práticas

Na própria noite em que o “sim” saiu vitorioso do referendo, ouvimos o primeiro-ministro José Sócrates mencionar que a nova lei do aborto deveria seguir as melhores práticas europeias. Na entrevista publicada no passado fim-de-semana no semanário “Expresso”, Sócrates sublinha que, do seu ponto de vista, a vantagem de Portugal mudar a legislação do aborto mais tarde do que outros países reside no facto de nos ser permitido analisar essas várias evoluções e assim optar pelos formatos que melhores resultados produzem.
O “sim” ganhou e, portanto, tenha-se gostado ou não, a vontade expressa pelos cidadãos
terá que ser respeitada. Felizmente parece haver consenso relativamente a que, mesmo não tendo sido vinculativo o referendo, seria democraticamente desonesto contrariar, sob qualquer forma, aquilo que foi a resposta dos votantes.
Também será obviamente consensual, apesar de não ter sido perguntado em referendo, que o País deverá adoptar as melhores práticas existentes.
Mas a que se referirá exactamente Sócrates quando afirma que iremos seguir as “melhores práticas” e adoptar uma lei comprovadamente com os “melhores resultados”? Significará que Portugal irá imitar os países nos quais o aborto se faz mais discretamente ou de uma forma mais rápida? Será que “bom resultado” significaria essencialmente uma boa redução no número de abortos clandestinos? Pretender-se-à que “boas práticas” sejam aquelas que garantam encargos financeiros para o Serviço Nacional de Saúde o mais reduzidos possível?
Naturalmente que tudo isto seria desejável, mas sem dúvida que o principal aspecto a defender e que durante todo o debate da campanha se revelou o mais importante, partilhado tanto pelos defensores do “sim” como do “não”, será o de que se deveria, acima de tudo, procurar minimizar o número de gravidezes indesejadas e de abortos efectivamente praticados. Ora, isso não se consegue sem que a nova lei do aborto preveja uma sessão informativa ou de esclarecimento, uma consulta de planeamento familiar e um período de reflexão. Diz-nos não apenas o bom-senso, como também as “boas práticas” existentes.
Portanto, se “boas práticas” e “bons resultados” significam evitar o aumento do número de abortos e contribuir para a sua diminuição progressiva, a lei deverá necessariamente passar por aí. Ou seja, deverá imitar tanto quanto possível os mais equilibrados procedimentos vigentes, por exemplo na Alemanha, e assim desejavelmente alcançar os seus positivos efeitos.

Só quem se julgue proprietário dos dramas vividos por todas as mulheres confrontadas com gravidezes indesejadas poderá pensar que, ao percorrer cada uma destas etapas, se condiciona a liberdade de decisão de cada mulher ou se menoriza a ela própria. Só quem se julgue proprietário dos pensamentos dos portugueses relativamente a aspectos que não lhes foram perguntados poderá pensar que tais medidas vão contra o resultado do referendo de 2007.

Tomar uma decisão de abortar ou não, num curto período de dias, não é obviamente fácil. Feito sem ajuda, será naturalmente ainda mais difícil. O apoio útil estará em proporcionar contributos que aportem um maior grau de convicção relativamente à decisão que vier a ser concretizada.
Se a mulher for confrontada com experiências positivas e negativas de outras grávidas que optaram por cessar a gravidez ou por não abortar, naturalmente que isso só pode auxiliar a melhor decidir em consciência. Tomar conhecimento das medidas em vigor de apoio à natalidade ou aprofundar a informação sobre qualquer aspecto legal ou médico só poderá contribuir para uma reflexão mais consistente. Confirmar junto de um profissional de saúde as razões pelas quais se gerou uma gravidez não pretendida e obter o melhor apoio médico possível para que tal não volte a ocorrer, não trará certamente à mulher, também aí, um mal-estar comparável às vantagens que daí poderá obter.

Após 1998, o grande erro do “não” foi o de ignorar todos os argumentos do “sim”. Não se caia agora no irreflectido engano de transformar uma das leis mais restritivas da Europa numa das mais permissivas do Mundo. Não seria, por certo, uma boa prática.

In "O Primeiro de Janeiro, 23/02/07"

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bem. Haja respeito pelo prometido, desta vez.