quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Alto RISCO de NORTE! - part II


Devo repetir e sublinhar, antes de mais, a minha ordem de valores de cidadania, de modo a tentar evitar eventuais interpretações desconformes as intenções do texto, como após a publicação da primeira parte desta coluna de opinião, em 01/09: imediatamente após cidadão do mundo, considero-me essencialmente orgulhoso português, e apenas depois disso, nortenho e portuense. Gosto muito, pois, do meu País, com todas as suas virtudes e deficiências. Não teria mesmo pejo em aplicar esse verbo tão poético quanto emocionalmente assustador para reconstruir a frase anterior – amo o meu País. Sou, enfim, daqueles que não admite sequer outro alguém mais patriótico, quanto muito tão patriótico como.
Redito isto, manda a preocupação de médio-longo prazo voltar a reflectir sobre a contínua sucção de investimento público e de apostas estratégicas na região de Lisboa. É muito bom podermo-nos orgulhar de uma capital digna, evoluída e atractiva, que possa naturalmente conter singularidades e ex-libris próprios daquilo que seja a principal cidade no campo político. Mas o que resulta em alguma indignação é que a “intensidade” (para usar termo bastante em voga) dessas singularidades tomem proporções exageradas relativamente a outras cidades e regiões importantes. Dito de forma mais rude, que tal se possa verificar por contraponto do “sacrifício” de outras áreas do País.
Não será por certo difícil de concordar que Alto Minho, Trás-os-Montes, Alto Douro, Beiras e Alentejo estão ávidos de políticas estatais de atracção de investimento privado e carentes de mais recursos financeiros públicos. Muito têm inegavelmente feito todas essas gentes pelos seus territórios, tentando castrar o fluxo migratório para as grandes urbes, criando condições de atractividade, bem-estar, desenvolvimento. Mas mais chocante ainda é ver os distritos do Porto e de Braga (outrora, não muito distante, o principal eixo de desenvolvimento económico de Portugal) catapultados para níveis de rendimento per capita e de qualidade de vida apenas comparáveis aos do Alentejo profundo, bem posicionados numa fina camada da cauda europeia. Chocante e intrigante é, possivelmente à vista de muitos atentos observadores, como os povos foz-duriense e minhoto se deixaram sujeitar a tamanhos desníveis.
Não se subestime porém a capacidade de criar consciência e a capacidade reactiva das massas nortenhas. Não percamos de memória nem o espírito de sacrifício que muitas vezes exibiram ao longo do tempo, nem, por outro lado, quantas contestações, revoltas ou embriões revolucionários foram capazes de gerar. Lembrar que do Porto e das gentes do norte partiram acções político-sociais das mais relevantes da nossa história contemporânea pode até ser considerado, neste contexto, dramatismo exacerbado, mais facilmente por certo do que visionarismo lírico, mas a própria história das crises e revoltas a norte já se encarregou de provar que, às vezes, ela até é capaz de se repetir a si própria.
À toa não terá sido certamente que se começou a debater a vitalidade das chamadas euro-regiões, a mais falada das quais no plano ibérico tem sido inegavelmente a Eurorexión. Quem acompanhou com cuidado a própria última campanha autárquica no Porto, constatou uma quase unanimidade de forças políticas em torno da defesa do Porto como cidade-referência do noroeste peninsular. Embora com algumas pequenas dissonâncias, por exemplo, quanto a apostas em vertentes culturais de desenvolvimento (da ciência à arquitectura, das artes aos espectáculos), foi absolutamente consensual, por exemplo, que Francisco Sá Carneiro deveria consolidar a posição de principal aeroporto da área “Norte de Portugal / Galiza”, bem como que Leixões (acompanhado de Viana do Castelo e Aveiro) deveria rivalizar com os portos da Coruña e de Vigo. Poderá ainda faltar o tão badalado TGV, que disso muito mais se depende do poder central, bem apostado em somente ligar as duas principais cidades do País e de completar o satelitismo de Madrid até à nossa costa. Mas estará contudo já em marcha o embrião da Porto-Galização?
São talvez meros sinais de inconformismo. Que, a bem de todo o País, só serão certamente contornados de maneira eficaz através de um processo de regionalização efectiva. Poderá ser um erro crasso insistir nas teses das ameaças divisionistas para continuar a defender o centralismo. Muito pelo contrário, quem bem conhece o povo nortenho pode legitimamente defender que a não-regionalização será, nos cenários actuais e de futuro próximo, muito mais fomentadora desses riscos.
Oxalá a administração central não acentue o voltar de costas ao norte. Porque a partir do Porto, e de outros pontos do norte, também se sabe voltar as costas. E se isso viesse a suceder, ali mesmo, em frente, está a Galiza.