sábado, 31 de março de 2007

QUE PORTUGUESES???


Os portugueses votaram e elegeram António Oliveira Salazar. Dito isto de forma descuidada, qualquer interlocutor ficaria, no mínimo, pasmado, independentemente de outro qualquer sentimento que o assaltasse. E não deverão certamente ser poucas as outras emoções provocadas pela “violência” de tal frase na maioria dos cidadãos nacionais.
No meu caso pessoal, fiquei exacta e essencialmente pasmado, atónito, boquiaberto. Intrigado, preocupado, acossado, indignado e consternado poderiam ser outros adjectivos aplicáveis, mas basicamente profundamente admirado.

Trata-se tão somente de um concurso-passatempo televisivo, como tantos o disseram antes, durante e após os resultados da votação telefónica do programa da RTP “Grandes Portugueses”. Mas mesmo procurando reduzir o impacto do inusitado final deste mero programa de televisão, pelo facto de não passar de isso mesmo, não pode deixar de haver lugar a inúmeras interrogações e à procura de razoáveis explicações.
Certas aflitas teses como a da falta de profundidade científica do esquema de votação, ou a da óbvia concertação mobilizadora de cidadãos afectos a quadrantes políticos de extrema-direita e de “direita profunda”, são manifestamente insuficientes para explicar a adesão de telefonemas numa percentagem de 41% (!), e, sublinhe-se, a mais de 20% de “distância” de Álvaro Cunhal… Naturalmente que, tal como no PCP terão existido movimentos articulados de militantes, de forma a enfatizar a votação no seu eterno líder ideológico, também na área política oposta se mobilizaram certamente contactos e votações artificialmente massificadas. Mas por parte de quem? De um partido nacionalista com algumas dezenas/centenas de militantes designado PNR? De algumas pequenas franjas mais extremistas que possam fazer parte de outros partidos de direita como o PND ou o próprio CDS? Obviamente que não parece aceitável admitir que estes conjuntos de cidadãos possuam estruturas com dimensão e eficiência organizativa capazes de competir com a força política nacional desde sempre mais coesa, concertada e “profissional”, que é o Partido Comunista Português. Ou terá tal expressão de votos telefónicos tido por base cidadãos que, por não se reverem em nenhuma força política do actual quadro partidário e que, por esse motivo, não têm exercido o voto democrático e universal em eleições nacionais, decidiram utilizar este formato opinativo para se pronunciarem sobre as virtudes do Estado Novo e os fracassos que a actual democracia tem trazido? Embora esta última hipótese não deva ser suficiente para justificar a dimensão da “vitória” de Salazar, surgirá por ventura como mais verosímil que as anteriores, e, apesar de potencialmente mais preocupante para todos quantos, como eu, advogam o regime democrático, provavelmente justificadora de uma parte dos 41% de contactos telefónicos dirigidos à RTP.

“Voto de protesto” e “voto útil”. Com toda a certeza que sim, que de facto serão, de entre todas as ideias debitadas sobre o assunto, das mais equilibradas e adaptadas ao desfecho dos “Grandes Portugueses”. Na realidade, parece altamente provável que, fosse por básico instinto crítico ou simplesmente por se ainda antipatizar mais com Cunhal do que com Salazar, tenha havido um vasto leque de cidadãos votantes neste último, já cientes de que a principal disputa se restringia a ambos. De qualquer das formas, mesmo que irreflectidos e impetuosos, estes actos provirão em boa parte de cidadãos livres, adultos, recenseados, eleitores…

Há alguns meses, uma prestigiada empresa de estudos de opinião publicou uma sondagem que apontava para cerca de 30% de portugueses que prefeririam ser cidadãos espanhóis, defendendo implicitamente, para regozijo dos nossos vizinhos, que Portugal deveria ser uma província de Espanha. Sem colocar em causa a validade científica da referida sondagem, seria naturalmente de esperar que, se os inquiridos fossem chamados a se pronunciar em sede de referendo, os resultados seriam substancialmente diferentes, uma vez que uma votação democrática e universal é inevitavelmente muito mais ponderada e menos sensível a meros ímpetos de descontentamento. Nessa perspectiva, dever-nos-emos tranquilizar um pouco, pois num eventual formato desse tipo, jamais certamente uma figura como a de Salazar obteria votação de tal dimensão. Caberá inevitavelmente à actual democracia procurar melhores evoluções para que tal tranquilidade seja absoluta.
Neste momento, e após um mero concurso televisivo, já não o será certamente.


In "O Primeiro de Janeiro", 30/03/2007

sábado, 17 de março de 2007

Grande défice!


Termos o défice orçamental em 3,9% é naturalmente um facto elogiável para o Governo, e em particular para o Ministro das Finanças. Não dá para deitar foguetes, pois a meta não está atingida e o caminho a percorrer não é propriamente um mar calmo, mas será factor de absoluto regozijo para todos quantos quererão bem ao País.
Já o facto de ele se enaltecer a “façanha” de ele se situar 0,7% abaixo das previsões do Governo tem mais que se lhe diga. Em primeiro lugar, porque não devemos menosprezar precisamente a eficiência da máquina de propaganda que envolve o executivo, que naturalmente esteve atenta aos valores que o Ministério das Finanças deveria prever, em 2005, quando apontou para um objectivo de défice de 4,6% em 2006. Por outro lado, dever-se-à atribuir mérito q.b. ao Sr. Director-Geral das Contribuições e Impostos que logrou remeter aos cofres do Estado, nos últimos 2 anos, um fluxo de receitas fiscais nunca antes visto em Portugal, fazendo até com que alguns defendessem que ele até seria provavelmente o funcionário publico mais mal pago do País, face à produtividade que o seu trabalho desempenhou para o bem-estar nacional.