sábado, 25 de março de 2006

Contrato Primeira Encrenca


Vivendo a França dias de regular agitação política a propósito do novo Contrato de Primeiro Emprego, deveríamos prestar boa atenção a esta problemática que tem sido, aliás, objecto de vendável mediatização. Não pelo facto de admitirmos que também em Portugal, mais cedo ou mais tarde, espectáculos de maciças manifestações entusiasmadas possam vir a ser combatidas com jactos de água da polícia ou de outra forma qualquer. Nem até por nos termos que convencer do fatalismo de que as grandes evoluções sociais e políticas de relevo surgem invariavelmente em França antes de, profeticamente, se estenderem ao resto da Europa dita civilizada.

Dever-nos-ia essencialmente atrair a questão do CPE francês pela enorme actualidade e “internacionalidade” de todas as circunstâncias que o envolvem. Se não, vejamos as similaridades com a presente realidade portuguesa:
1) França e Portugal possuem taxas de emprego efectivamente elevadas, com propensão clara para se agravarem ainda mais e sem nítidas perspectivas de datas e de formas que permitam a inversão natural de tais tendências;
2) Dentro da baixa empregabilidade em ambos os países, assume particular relevância a dos jovens e dos recém-licenciados, que mais apropriadamente se deveria designar por taxa de “ainda não emprego” em vez de taxa de desemprego;
3) Em Portugal e em França, encontramos das legislações laborais mais rígidas na protecção dos direitos do empregado, praticamente que consagrando a regalia de um trabalho vitalício, o que objectivamente dificulta de sobremaneira a vontade de empregar novos e muitos colaboradores;
4) As realidades conjunturais resultantes da globalização do comércio mundial tornam inevitável a aposta, por parte das empresas europeias, em vertentes de competitividade como a diferenciação, a investigação e a inovação, necessitando para tal, por isso, de intensificar a força de trabalho jovem, criativa e regenerada.

Enquanto “massa” exterior à agitação CPE que tem ocorrido em França, não me parecerá totalmente justo e esclarecido que possamos, como portugueses, manifestar uma opinião cabal sobre a justeza das decisões políticas tomadas pelo governo francês ou sobre a pertinência das críticas de que tem sido alvo, tanto mais que, por muito profundo que seja o conhecimento das propostas de lei e da própria história laboral francesa, não conseguimos ter vivido in loco certos pormenores mais sensíveis que a eles estão associados, nem temos forma de calibrar dinamicamente as informações veiculadas pela comunicação social com a nossa percepção directa sobre o pulsar dos agentes da sociedade. Mas, pelo óbvio paralelismo que este problema francês possui com problemas nossos, nem o bom senso nos impedirá de mostrar maior ou menor simpatia pelo espírito das soluções assumidas ou pelas posições de princípio antagónicas.

Correndo o risco de pecar por um sumarismo castrador, o que basicamente o governo Villepin pretende instituir é um mecanismo de incentivo à empregabilidade dos jovens, até aos 26 anos, à procura do seu primeiro emprego, socorrendo-se para tal da permissão de uma não-garantia absoluta da continuidade. Ou seja, mais cruamente, quer fazer passar às empresas a mensagem: “empreguem sem receio, experimentem e decidam caso a caso”. Será assim tão socialmente injusto propor uma solução nestes termos? Existem soluções legais semelhantes que tenham sido já postas em prática e que se tenham revelado como negativas para o emprego real e para as próprias causas sociais?
Em Portugal, por exemplo, os contratos de estágio profissional promovidos pelos Centro de Emprego do IEFP e o recém-criado programa Inov-Jovem possuem princípios idênticos e já provaram, muito claramente, terem sido das poucas iniciativas de efectivo sucesso na colocação de jovens no mercado de trabalho.
Por que razão se coloca a tónica na parte da desobrigação de vínculo permanente e não nas imensas oportunidades de emprego que tal medida corajosa gerará inquestionavelmente?

Não caiamos no erro de comparar as manifestações estudantis de Maio de 1968 com as de Março de 2006. Para além de gerações diferentes, as causas dos anos 60 eram de natureza completamente distinta, as motivações são agora de natureza puramente reactiva e não movidas por vagas da sociedade que encontraram nos estudantes seus porta-bandeiras. Aliás, nas organizações que se têm mostrado contrárias ao CPE, encontramos essencialmente sindicatos, partidos políticos e outras forças politizadas, para além das próprias associações estudantis. São quase residuais as intervenções de sectores apolíticos da sociedade civil contrárias a esta nova lei. Seria até interessante que alguém apurasse quantos ex-estudantes, já candidatos a um primeiro emprego, se vão contando por entre os inúmeros e empolgados participantes nas diversas manifestações que têm despertado por essa França fora.

quarta-feira, 22 de março de 2006

AINDA AS LEIS(BICAS)...

O episódio aparentemente “normal” da tentativa de casamento das duas já célebres lésbicas entreteve, irritou ou entusiasmou a opinião pública, como aliás desde as vésperas se antevia, quando alguém fez questão de abnegadamente anunciar à comunicação social que tal encontro viria a ocorrer numa Conservatória de Lisboa.
Encontro mediático era claramente a intenção. Disso parece não restar dúvida a ninguém.
Mas o que faz entrar tamanha encenação nas auras da demagogia é a evocação da espontaneidade da iniciativa ou de que aquele singelo “casal” apenas se fazia acompanhar de um simples advogado, para além de um punhado de bons amigos. Demagogia não somente pelos presentes, envolvidos em movimentos de homossexuais e os que, qualquer que fosse a condição invocada no momento, têm ligação a forças políticas e afins. Mas porque tais comparências mais ou menos discretas não podem deixar de levar à interrogação (pode-se também ler especulação) de que influentes ausências também sejam responsáveis pela notícia.
Para além dos que genuinamente queriam ver o tema discutido, há que admitir que outros tenham contribuído para desviar o interesse da opinião pública de outras questões “quentes” que, recentemente, têm sido tão apreciadas ou apetecidas.

Mas já que muitos, nos quais me incluo, se deixaram envolver nesta “armadilha” noticiosa, e apesar de não poder haver imparcial cidadão de bom-senso que considere tal tema como de fundamental discussão para a nossa sociedade actual, comentemos também a pretensão que está na base do inusitado facto.

Respeito quem pretenda possuir os mesmos direitos e deveres inerentes a um contrato matrimonial, mesmo que o outro elemento do par seja do mesmo sexo. Assim como respeito quem entenda que a célula colectiva básica da sociedade, que designamos por família, só faça inteiro sentido se contiver auto-capacidade multiplicadora. E acho que tem muito mais substância, lógica e coerência esta última preocupação. Mas, no entanto, respeito muito mais a primeira, pelo mesmo motivo básico que considero que a liberalização do aborto será uma opção leviana se ou quando o Estado a assumir. Porque ao Estado cabe proteger a liberdade dos menos fortes e apenas nessa condição interferir com as liberdades dos demais cidadãos. E assim, da mesma forma que não concebo que se possa majorar o direito de opção de uma mulher grávida relativamente à possibilidade de um embrião seguir o seu caminho de vida, também não me parece legítimo que a tradição heterossexual se aproprie em exclusivo dos privilégios de uma união legitimada pelo Estado. Seja nos elementares aspectos jurídicos, patrimoniais, fiscais, testamentários ou na tendência para “normalizações” sociais em geral, essas mais dificilmente impostas por decreto.
Contudo, parece-me que a questão da adopção já deva ser encarada em termos relativos. É inegável que existirão “casais” de homossexuais que poderiam melhor educar e proporcionar uma qualidade de vida superior aos adoptados do que certos casais heterossexuais. Como também é indesmentível que uma criança se sentirá mais confortada socialmente em ter uma mãe e um pai adoptivos, do que dois pais ou duas mães adoptivos. Daí que pareceria razoável que a natureza da sexualidade do “casal” deva ser meramente encarada como um critério preferencial, tal como o são a estabilidade da relação, a idade dos pais adoptivos ou o seu nível económico.

Mas o facto de poder ser defensável que dois homossexuais vejam reconhecido pelo Estado um compromisso de vida conjunta, e mesmo que este lhes atribua exactamente os mesmos privilégios que a dois heterossexuais, não implica necessariamente que tal união tenha o rótulo de “casamento”. A aceitação da diferença não tem forçosamente que se estender até ao limite do uso da mesma e exacta terminologia, como aliás sucede em Inglaterra e nos vários países escandinavos. Aí, entramos já no campo do respeito pela maioria. Persistir na recusa em utilizar expressões alternativas como “emparelhamento”, “acasalamento”, “união de vida”, “união de facto” ou outra qualquer que se possa ajustar, pode até ser entendida como uma postura provocatória. Só com atitudes de respeito pelas maiorias, começando por evitar o simples dar a mão no autocarro, podem pretender as minorias ser igualmente respeitadas.

Há leis difíceis, mas o respeito ainda é mais difícil de legislar